sábado, 13 de agosto de 2011

Um dia acordas

Um dia tu acordas e sentes que já não és a mesma pessoa, que o cheiro da vida mudou, que as antigas motivações não te servem, como roupas antigas e apertadas, desbotadas pelo uso excessivo.
Um dia tu acordas e percebes que a luz está diferente, que os sons da vizinhança não te dizem respeito, que o som do teu coração está cansado das mesmas batidas e a pedir para voar. Percebes que os antigos sonhos, já não têm lugar naquele pouco espaço que lhes foi destinado, como uma revoada de passarinhos a fazer um barulho incrível no teu peito, batendo as asas e soltando as penas.
Tu acordas e dás conta do que não fizeste, onde não chegaste, dos arranjos, das coisas e gentes que tiveste e não conseguiram ser íntegras consigo mesmas.
Um dia acordas e percebes, com decepção, que quiseste acreditar em tantas crenças e doutrinas, que te esforçaste para agradar a gregos e troianos, disseste “sim” quando queria dizer “não” e evitaste dizer “não” tantas vezes que já não sabias qual era o teu querer, quais eram os teus sabores preferidos e qual a direção que escolheste caminhar.
Da mesma forma, acordas e percebes que estavas com saudade da tua música, dos teus livros, dos teus segredos e do teu ócio. Acordas e olhas para o tecto, vês possibilidades, sorris, simpatizas com a aranha que tece teimosa a despeito das estocadas diárias da vassoura. Sem se render, ela recomeça durante a noite e agora tu percebes que existe a coragem de recomeçar.
Um dia tu acordas e lembra-te que ris-te, comeste e sentaste-te à mesa com gente que de facto nunca se importou contigo enquanto oferecias o teu melhor sorriso.
Um dia tu acordas cansada de dizer que está cansada de viver e decides que vais correr o risco de recapitular as tuas teologias e filosofias.
Um dia. Um dia tu acordas.