quarta-feira, 27 de julho de 2016

Se há coisa que este meu trajecto inglório me tem proporcionado é a criatividade. Sei que por vezes será chocante, para alguns, lerem o que escrevo (julgo que esses nem sequer conseguem ler porque não fazem parte do grupo de "amigos" - mas na internet nunca se sabe o que se lê ou não). Mas sei também que a palavra vai passando de uns para os outros, e sendo assim prefiro escrever do que apenas dizer; pelo menos há um registo que comprova palavra por palavra aquilo que foi dito. Não sou daquelas pessoas que dizem e desdizem, escrevem e fazem assinar palavras escritas, e depois não nos dão algo que comprove o que afinal concluiu o seu juízo. Este é o pequeno mundo onde fomos votados a morar, e que é tão cheio de arabescos que se entrecruzam... Quando eu trabalhava com pequenas crianças doentes lembro-me que adorava aqueles momentos mágicos quando lhes dizia: "Eu sou uma fada e as minhas asas são amarelas e cor-de-rosa". E depois ficava a vê-las espreitar descaradamente para as minhas costas ou mais subtilmente pelo canto do olho... Essas e outras coisas farão parte do meu memorial quando um dia eu morrer para a minha profissão. Mas o que nunca vou esquecer é de uma pequena palavra, talvez a mais importante que ouvi em toda a caminhada: o toque. O toque foi a maior descoberta que se deu na enfermagem, superior a qualquer especialidade - eu até acho que qualquer tese de especialização deveria falar obrigatoriamente no toque - aliás desde que ele faça parte da alma dum enfermeiro a especialidade não faz falta nenhuma. "... Ela manteve os olhos fechados e o seu silêncio. Assim permaneceu dias e dias na sua dor solitária. Ninguém a visitou. Ninguém perguntou por ela. Além de mim, ninguém lhe pegou na mão ... E talvez porque não tinha quem lhe limpasse uma lágrima, nunca chorou ..." Depois disso, as lágrimas têm o dom maravilhoso de me cair pelo rosto e eu sinto que alguma vez me senti bem no meu papel. Ela já não chorava, talvez porque as pessoas que (por pouca sorte) a rodeavam, eram especialistas demais. Já muito pouco me importa. Agora sou louca e sou velha, por isso tenho o direito de dizer tudo; além disso depois da tempestade tudo o que eu quero são dias de sol... E assim a minha vida vai ganhando os dias de sol, cada dia mais iluminado que o outro...